Começo por referir que de futebol não percebo nada. Claro que sou um ativo “treinador de bancada” enquanto vejo jogos, mas pelo meu contacto próximo com treinadores, atletas e dirigentes sei que não percebo nada. Nada do trabalho físico, táctico e técnico do futebol, pois na parte mental e emocional do jogo estou na minha praia. 🙂
Esclareço também que não estou a trabalhar com nenhuma das equipas em questão pelo que a minha análise é de alguém que vê esta realidade de fora.
1. Antes do Jogo
O SLB vinha de várias goleadas, dentro e fora de casa, recuperando pontos aos rivais diretos, chegando mesmo à liderança (partilhada) do campeonato. Imagina-se que o grau de confiança na vitória fosse muito grande (entre os adeptos era gigante).
A equipa estava muito motivada por jogar no seu estádio, com a maior plateia da época, contra um histórico rival que se perdesse ficava praticamente fora da luta pelo campeonato.
Os mesmos motivos que lhe davam alento também somavam pressão com a agravante que a vitória era importante para manterem o Sporting em modo de alerta.
O FCP vinha de um período de mudança de treinador, atitudes bizarras por parte de jogadores, criticas fortes por parte dos adeptos, lesões condicionantes para o funcionamento normal da equipa, uma derrota no Dragão com o Arouca (com os golos adversários a resultarem de erros próprios) e a noção que perder o jogo contra o Benfica poria um ponto final nas aspirações (parcas) de ganharem o campeonato.
Uma (quase) tempestade perfeita para José Peseiro nevegar.
Imagina-se, por isto, que a autoconfiança e a confiança entre colegas estivesse num dos pontos mais baixos da época.
E pelos motivos apresentados antes a pressão sobre a equipa era enorme… É o vai ou racha.
2. Treinadores
O trabalho principal de Rui Vitória era o de manter os níveis anímicos em alta, conseguindo que tal não afetasse o grau de “respeito” pelo adversário e concentração durante o jogo.
Este é um processo que acontecesse na intensidade e feedback que se dá nos treinos, na informação que se passa à equipa sobre o adversário e (muito) nas declarações públicas sobre o jogo.
Pelo que vi em campo, a equipa foi fiel ao seu modelo de jogo normal, entrou pressionando forte e atacando muito, mantendo-se muito atenta aos movimentos adversários. Nota muito positiva para RV.
O trabalho de José Peseiro (como se imagina) era muito mais complexo. Ao longo da semana teve de “castigar” e “reintegrar” jogadores com atitudes consideradas “inadmissíveis”, conseguir que o grupo confiasse nele próprio e aumentar os níveis de solidariedade dentro (e fora) de campo e (re)acender a capacidade de sacrifício, garra e superação. Tudo sem que estas emoções afetassem de forma dramática a concentração táctica (principalmente a defender) e com um jogador a estrear-se pela equipa principal. A expressão “jogaram com o coração” aplica-se quando este sentimentos mais intensos se sobrepõe às emoções mais calmas do foco, decisão sob pressão e concentração.
Este tipo de processo já é difícil com um treinador em que o grupo já acredita e confia, imaginem com um que chegou em Janeiro. Para resultar bem, o trabalho normalmente assenta em conversas com a participação ativa dos jogadores (com a possibilidade de falarem abertamente sobre os problemas e o que sentem), o envolvimento e compromisso dos capitães (e outros membros influentes), a ajuda de elementos da estrutura e antigos atletas respeitados e trabalho individualizado com alguns protagonistas-chave na dinâmica da equipa. Acredito que a equipa tenha tido ajuda anímica de alguns elementos do seu passado que são reconhecidos como “jogadores à Porto” para ajudar a reavivar essa mística intangível que tanta importância tem no desporto.
JP conseguiu isto tudo de forma magistral, pois não só o Porto mostrou uma capacidade de sacrifício enorme, como continuou confiante e a acreditar depois do golo adversário, mantendo quase sempre o foco, concentração e solidariedade ao longo da partida. Tudo isto resultou em alguns jogadores fazerem a melhor exibição da época (p.e. Casillas) e todos se mostrarem mais disponíveis, aguerridos, eficazes e solidários. Claro que quando todos estes fatores se unem, aparece mais facilmente a “sorte do jogo”.
3. Jogo
Para mim o momento chave é a reação ao primeiro golo.
O Benfica entra com muita força e o Porto defende como pode. O golo é uma jogada bonita e tudo se alinharia para que o 1-0 fosse o princípio de uma goleada histórica. A forma como os jogadores do Porto se mantiveram calmos e concentrados no meio daquele “inferno vermelho” que explodiu na celebração do golo de Mitroglou foi a pedra angular do sucesso na partida.
Quase que aposto que o Peseiro trabalhou o mentalmente o cenário do Porto sofrer primeiro e cedo e como haveriam de reagir.
Um outro momento importantíssimo foi o intervalo.
Durante a partida em si é muito difícil para o treinador influenciar animicamente os jogadores e por isso o intervalo tem um papel tão importante.
O Porto surgiu do intervalo mais atrevido, mais aguerrido e mais confiante. Claramente, JP, reforçou no grupo que a estratégia estava a funcionar e que agora era o momento de entrarem com confiança máxima.
Rui Vitória por certo que passou uma mensagem de que era importante manterem o ritmo e estrutura de jogo. Acho que não se deve ter percebido que a equipa começou a duvidar um pouco de si própria e a temer o adversário. Se ele o tivesse percebido podia ter trazido isso para cima da mesa e reforçar a confiança pelos resultados dos últimos jogos.
Apartir do segundo golo, o Porto voltou a acanhar-se e o Benfica teve uma ótima reação. Foi nestes 30 minutos finais que se viu mais capacidade de solidariedade e sofrimento por parte dos azuis e “jogar com o coração” por parte dos vermelhos.
Acho que, mentalmente, Vitória não preparou o suficiente a equipa para esta situação de jogo. Foi uma (pequena) falha “fatal”.
4. E agora?
O Porto tem muito trabalho pela frente (a todos os níveis) e esta vitória foi como um balão de oxigénio que pode catapultar a equipa para exibições mais consistentes e de melhor qualidade.
É preciso manter e reforçar o trabalho de união entre o grupo, solidariedade em todos os momentos e trabalhar questões de autoconfiança individuais. Aboubakar, por exemplo, é um jogador de enormíssima qualidade e exibições inconstantes, que ganharia imenso com um trabalho mais individualizado.
Veremos o resultado no difícil jogo da Liga Europa.
Rui Vitória tem o trabalho de recuperar os níveis de confiança da equipa. Foi uma derrota, com um adversário direto, em casa com a agravante de ser o 5 clássico que perdem.
O processo passará por limar as arestas que permitiram ao Porto os dois golos, dar relevo à excelente exibição e oportunidades que criou e mudar o foco para o Zenit.
Vai ser muito importante (com a ajuda da sua equipa técnica e capitães) perceber e trabalhar individualmente com os jogadores que se deixarem ir mais abaixo, pois todos (joguem ou não) são importantes na dinâmica global.
Boa sorte para ambos!
(imagem Jornal de Notícias)